terça-feira, 14 de setembro de 2010

A vida, a ausência, a morte...- Carlos Durão

Num dia, de inverno, do compartimento,
dum trenzinho, inglês, via eu, sozinho,
campina, estações: a tarde caía;
entrou uma moça: suava, tossia,
tirou o anoraque, deixou-o no assento;
falava comigo, nervosa, enfadada;
soou um alarme: olhaste p’ra mim,
um pouco assustada, buscando, inconsciente,
a intimidade; foi passando a noite,
e sempre falavas; chegou a alvorada:
cansa, perspirante, pediste desculpa,
pelo teu cabelo, tão desordenado;
surpresivamente, te vieste, a mim,
p’ra te despedir; lançaste-me as mãos,
ao colo, oh surpresa!, teus olhos, brilhavam,
disseste, que fora, formoso, falar,
comigo, uma noite... e eu, num repente,
também, te abracei, e te acarinhei,
mulher, contra mim, em abraço, lento
(nunca saberás como em mim senti
o teu peito mole); e ainda, disseste:
“really, really nice!”; mas, aginha, foste,
ocultando os olhos, corredor adiante:
sei que neles tinhas, bágoas, e mais;
eu também, fiquei, estantio, um tempo,
pressentindo, algo: “really, really nice!”
repeti, atordoado; na estação, baixaste,
no final da noite; desde a plataforma,
deserta, acenaste, derradeira vez,
nela, te adentraste, e desapareceste;
depois, comprendi: deixaste a tua roupa,
mas tu não te foste: sei que te verei,
um dia, e que esperas, por mim, na estação,
inglesa, deserta: fui eu, que se foi...

domingo, 12 de setembro de 2010

Desterro - Carlos Durão

Nunca mais
falar
nunca mais
ver
nunca mais
tocar

desde longe
trabalhar
com palavras
em silêncio
no escuro
sempre mais

Berlim, 29 de abril de 1944 - Carlos Durão

Wenn ich nur bewußtlos wäre!
gritou, uma vez
e outra
e outra,
uma hora
e outra
e outra
sem ajuda
um refugiado
nos escombros
do prédio bombardeado,
junto ao Karlsbader
Hotel, mas perdendo
a voz, até se deixar
de ouvir
na noite

(in memoriam, p. 153, The Berlin diaries, Marie Vassiltchikov, Folio Society, London 1991)

Sonho de Gerôncio - Carlos Durão

Cheguei a um rio
rugedor. Queria
atravessar. Não sabia
o que fazer. Disse-me
um velho, carrancudo:
não vás
por aqui, nem por ali,
tampouco por alá.
E assim muitas, e muitas,
mais vezes.
Estaquei, perplexo
e angustiado.

Foi-se
o velho. Veio
um moço, belo
como um anjo
com sexo.
Disse-me: vem,
é por aqui. Da sua mão
passei as poldras,
sem medo
do abisso. Deixou-me
na outra beira. E foi-se
de mim. Disse: faz tu
igual.

Queria
agradecer. Nisto acordei.
Agora sei
o que é a ausência. Com olhos
umedecidos, lembro
o meu anjo, belo.
(Mas sei o que fazer.)

De profundis - Carlos Durão

(from the N London Hospice)

Passáram os anos, passou o frescor
murchou a beleza, findou o amor,
chegáram as dores, viéram os males,
passáram os sonhos, e foi-se a ilusão,
ficáram as chagas, passou realidade,
ficou a verdade, ficou o perdão,
passou brilhantez, ficou anomia,
passáram as falas, ficou a palavra,
passáram os gozos, ficou sacrifício,
ficou o hospital, ficou o hospício,
passáram os filhos, ficáram à espera,
passáram as causas, a luta, a política,
as guerras, a pátria, passáram lembranças,
ficáram vazios, recessos na alma,
escuros e frios, ficáram em ossos,
apenas pessoa, deixou de haver sexo,
só necessidades, só fica uma olhada,
perdida, sem ver, com grande humildade,
um toque na mão, visita de amigo,
um fio de fé, quê sabem as gentes?,
os moços na rua, a morte repele!,
não gosta, não paga, ninguém a quer ver,
de homem, mulher, secáram já as bágoas,
mas não o chorar, os olhos cansados,
a boca sem dentes, nem sequer falar,
sem poder olhar, ajuda a se erguer,
procura manter erguida a cabeça,
e não claudicar, e diante dos outros
continuar a ser uns intres pessoa,
de digno viver, o rosto quer ser
humano p’ra mim, até um agasalho,
razão de existir, só um resto de amor,
por nós, os demais, indignos de ouvir,
pessoas que fogem, ninguém quer olhar,
o crente, o ateu, “serviço” social,
devaneio!, o real, está aí, p’ra se ver,
precisa se ter amor, compaixão,
não humilhação, carinho e bondade,
pequenas carícias, atos de humildade,
importam cuidados, valem donativos,
ou hétero- ou homo-, no mesmo vai dar,
passou vaidade, só ficou a idade,
a imprensa não fala, é tema “non grato”,
o ouvido, a paciência, o afago, a indulgência,
passou a energia, chegou o cansaço,
até em mastigar, sem saibo nem cheiro,
e é duro tragar, carícia, consolo,
nem bágoas sequer, as mãos sempre frias,
torpor terminal, deixar a esperança,
verdade terrível, esmola de amor,
a história da vida, finda num instante,
derrame cruel, a mão tão segura
agora tremente, antes com orgulho,
transcorre entre sonhos o tempo perdido,
sem sequer ser triste, injusta assepsia
que calma a família, não sabem quê passa,
sobejam bastões, só ajudam palavras,
sair do hospício, sem ar, respirar,
e sentir engulho, incapaz de amar...

À amiga do coração - Carlos Durão

Se pensas que penso em ti por aquilo,
não é (mas ajuda!); é, sim, pela mente,
a língua, o estilo, a voz, que não mente,
a independência, na arte, no amor,
na vida, que muda, na dor, afinal
(e mais porque és bela, raio!, há que dizê-lo);
oculto destino nos liga, no ser:
persistes em mim, e eu em ti, sem querê-lo,
e porque tu és, assim como eu: sensual...

DESENHO - RETRATO DE CARLOS DURÃO - Por Jan Heynike

RETRATO DE CARLOS DURÃO - Por Mazarambroz

quinta-feira, 9 de setembro de 2010

Esquecer...lembrar - Carlos Durão

esquecer
é lembrar
outra cousa
(lembrar
é esquecer
o demais)

Chamas - Carlos Durão

Dentro, de ti, minha alma,
guarda: dá-me paz.
(Dentro, de mim, tua alma,
guardo: dou-te vida.)

Sou triste, contigo,
comigo, te alegras;
te sinto, con-sinto:
me ocupas, contigo,
com força, me atrevo:
chamas...

Perguntas-me por que? - Carlos Durão

Só sei que caminhava eu só
fugindo do meu dó,
incapaz de amar, quando senti
que andava a par de mim:
falou-me, e tremi, olhou-me, e cri;
sorriu-me, e amei: sem medo, tornei.

Só sei daquele sorrir
que o coração ardeu em mim
até ser capaz de me deixar matar.
E perguntas-me por que?

Et in horto tu - Carlos Durão

acaricia-me o sol
na horta
e acaricias-me tu,
ajoelho-me
entre as plantas
a trabalhar
e ali estás tu,
respiro-lhe o recendo
e no meu peito
entras tu,
toco a pele dos frutos
maduros
e é a tua pele,
baixo-me à terra,
apalpo nela,
ressuma, molhada,
e toco-te ali, no íntimo,
colho flores, que nunca
te darei, olhas-me
desde as sebes,
e esvaeces-te:
sei que nunca
te beijarei

Carlos Durão

Prometeu, sem medo,
que pensaste, atrevido,
filho de Titã, temido,
irmão de Atlas, poderoso,
por Zeus, ciumento, desterrado,
frente ao mar imenso atado,
nas rochas encadeado,
e por águia sanguinária
nas entranhas dilacerado,
a castigo eterno lançado,
porque sacro fogo arrancaste,
e a esp’rança acarinhaste
da caixa de Pandora;
só dela compreendido,
mas não por ela libertado:
só Hércules te livrará.

Beatrice - Carlos Durão

Beatrice, sem saber, me deparaste
amor, me despertaste, sem querer,
e querendo, te entendendo,
me ativaste, no íntimo, disparaste,
só me viste, só te olhei,
teus olhos grandes, e tremi,
temi: quem (não) te vira
na minha vida!; não toquei,
amor, a pele sublime, e sublimado,
bem quisera, a minha paz
te dar, das minhas mãos, através
do tempo, e da distância, sem palavras,
homenagem te render, só tu estás
aí, por teu amor, a penar, mas o teu ser
comigo aqui; eu morrerei, mas contigo
ficará, o meu espírito, na ausência...

Ausência de ti - Carlos Durão

Ausência, de ti, esmorece, derrubo, iminente,
temor, perda, trevas, ermo, morte,
desespero, oufego, sede, de ti,
busca, regera, sussurro, de ti, esperança,
sustento, recendo, de ti, valor, presença, de ti,
luz, deslumbrante, ressurreição, de ti,
amor...

Vinte e sete - Carlos Durão

Beijas-me, beijo-te, desde as fontes,
da frente, até às fontes, do prazer, supinas,
beijamo-nos, na flor, aberta, no lírio, ergueito,
desde sessenta e nove, minutos,
até noventa e seis, vezes, e mais
os vinte e sete, momentos, no vão, voamos,
suspensos, no delírio, sacrificamos, no altar,
do amor, fruímos, a pele, túrgida, furiosa,
rolamos, rugimos, até ao êxtase, a ternura,
perspirante, esgotada, exausto, descansas, pouso,
nos teus, meus, braços, felizes, a sermos...

Et in horto robur... - Carlos Durão

Se trabalho a horta, ao meu lado espreita
vizinho carvalho, forte, independente;
vem-me dele rumor, de vento, mansinho;
faz-me companhia, quando cavo a terra;
mas... mete as raízes por baixo da horta,
e... lança-me a sombra, que alonga na tarde,
e... deita as bolotas, quando o vento é forte,
sem eu dar por isso: mas, andando o tempo,
inçam os rebentos, pela terra adiante
na que eu lavrara: pulam para a luz,
plantinhas com vida, com folhas que tremem
e me desafiam... que lhe vou fazer?;
arranco-as vivas, da raiz tremente;
sinto-me assassino, mas volto a o fazer,
uma vez e outra, e volto a perder...;
o carvalho aceja, forte, indiferente
(mas no outono diz, com vento maininho:
“não podes comigo: eu hei de vencer!”),
deita-me a folhasca, e volto a perder...

Na noite - Carlos Durão

Na noite, do trabalho, me ajudaste, sem saber,
me deste: o equilíbrio, que faltava; a esperança,
que pedia, sem querer; e o carinho, para eu ver;
ajudei-te, me disseste, mas não sei se pôde ser;
adeus, companheira, que chegaste
da multidão, ignota, e voltaste
à multidão, anónima, e me deste
vida, nos teus olhos, obrigado, só um instante
te acarinhei, e, então, te despediste;
agora és, só, lembrança (e dóis, ausente).

Vírgulas - Carlos Durão

Relembro, a tristeza, dos dias, passados,
do sol, a morneza, relógios, parados,
as águas, que correm, o frio, entanguido,
a morte, chegando, os olhos, cansados,
buscando, não sei: até aqui, cheguei, num tempo
esquecido, a consciência, esgotada, e a vida
partida, sem dor, insistente; e os nenos,
que brincam, nas árvores, crescem: a vida,
dos outros; a minha acabou, o meu tempo,
findou, no presente, e atrás, ficou, silenciado;
não cabe chorar, nem lembrar, tão sequer:
só ver, enterrar, e deixar, para sempre, passar.

Ternura - Carlos Durão

Nos meus braços,
te colher, mulher,
estrolhar-te, ter-te,
em mim, te ser,
abraçar-te, confundir-te,
em mim, não te perder,
com fervor, amor, te acarinhar,
pele com pele, te dizer,
premer, ver, sentir,
com obsessão, o teu recendo,
a saudade, matar, de ti,
banir, amiga, esta distância,
afagar, com ternura, pura,
dar-te, num instante, a minha:
eternidade!

Porque... - Carlos Durão

... te formas,
mulher,
em mim,
te sou...
e é porque,
em ti,
me formas,
homem,
que me és...

No leito - Carlos Durão

No leito, deitados, despidos,
ele, ela, na casa: dos setenta,
ele; dos quarenta, ela:
aninhando, inhando, com som,
animal, engrunhada, fetal;
rabunha, chia, protesta;
alouminha, acarinha, ele:
acalma, implora, e chora;
cala, ela; sente, ele, a dor,
do seu espinhaço, deforme,
de noites, de meses, de anos,
de tê-la, no colo, a dormir;
“aren’t you strong?” lhe dissera,
com mofa, a Jehovah’s Witness;
mas, e agora? e se se matar?
mas, e a filha? e o livro, marxista,
que escreve, pedido, por outros?
mas, que? importa, algo, a ternura?
perdura? e dela, o sorriso,
dormida, por fim, outra noite?

Eu, sou, tu, minha vida - Carlos Durão

Eu, sou, tu, minha vida,
para ti, aqui, daqui,
sente, sua ternura, dura,
dali, verei, tua beleza,
te susterei, consumir-me-ei,
em ti, no teu, recanto, serei,
e não, te deixarei, contigo,
sempre, infundir-te-ei, amor,
para, seres, para, sempre, no meu,
seio, e eu, no teu, do meu, sangue,
te darei, então, em ti, pegarei,
no meu pulso, serás, no teu pálpito,
serei, te moverei, não mais,
bágoas, começas, hoje, a viver.

O inferno - Carlos Durão

Ao teu silêncio, condenado,
atoutinho, no escuro, e procuro
a tua voz,
ouço, arfando, na tua ausência,
o silêncio, e te busco
na tua luz,
e apalpo, no escuro, mas só acado,
no silêncio, o começo, duro,
do inferno

A grafia (e a pronúncia) - Carlos Durão

Na tua, nua
intimidade, pronunciar
os segredos, do teu corpo
te falar, buscar
entre as coxas
a tua flor, amor
beijar, baixar
do teu, corpo
ergueito, ajoelhar
te adorar, percorrer
a tua, grafia
coa minha, língua
firme, abrir
penetrar, demorar
amar, te dar
prazer, ser
o esplendor
do teu, corpo
na tua, nua
intimidade

Palavras (no escuro) - Carlos Durão

Alvejo-te, admiro-te,
enxergas-me, achegas-me,
descubro-te, acolhes-me,
apalpo-te, apertas-me,
respiras-me, e abro-te!,
e pegas-me, adentras-me,
e deixas-me, amor,
ser,
em ti.

Espelho mentireiro - Carlos Durão

Não te pode dizer
o espelho
a verdade:
a sua imagem é inversa.

Só te pode dizer
a verdade
quem te vê
direito...

Na capela de S. Frutuoso...- Carlos Durão

Fruto
não é produto;
fruto é vivo, é começo, semente;
produto
é para uso, usufruto, é anti-fruto;
fruto, como amor,
dá-se, ou conquista-se;
produto vende-se,
consome-se;
fruto dá-se
na árvore, dá-se
a comer, morre,
dá vida;
produto já vem morto,
consome
quem consome;
produto não produz;
fruto reproduz, é fruituro...
ato
perfeito, deixa
fruto.

Comover - Carlos Durão

Como ver?
Onde focar?
aquém, sem ver, ainda?
ali, vendo,
o esplendor,
de ser?
além, depois, de vista,
a carne?
ainda além, o corpo,
descarnado?
mais além, trespassando,
a alma?
ou longe, desde o Infindo, amor,
comovido,
a existir?

Não falemos - Carlos Durão

Não falemos
de amor
(será possível?),
falemos
da dor
(é possível),
do esplendor
de ser...

Paraíso - Carlos Durão

Para quê?
Para dar
Ser,
Para dar
Vida,
Amor: é para isso...

Numa manhã - Carlos Durão

Numa manhã
fria e molhada,
o vento e a chuiva
a bufar na lixeira,
contra as reixas,
as luzes abraiantes
de Londres a destruir
a intimidade da noite,
o pão do exílio é mau de tragar

Saudade - Carlos Durão

Saudade:
presença
de ausência
(de amor)

Emigração - Carlos Durão

emigração:
limpeza
étnica?

Raquel - Carlos Durão

Em Ramala ouve-se uma voz que se lamenta:
É Raquel que chora os seus filhos,
E não quer consolo, porque não são vivos.
(Raquel é
Palestina)

Carlos Durão

Nem tristuras fundas,
nem alegrias leves,
esperando algo:
firmeza quero,
forte e persistente,
sem esperar, camarada!

Como foi? - Carlos Durão

Foram homens,
e mulheres,
que o seguiram.

Foram homens
que o mataram,
num madeiro.

Foram mulheres
que o anunciaram,
redivivo.

Foram homens,
com medo, que acreditaram
nas mulheres.

E o anunciaram,
até dar a vida
(que nos deram)

Universo - Carlos Durão

O outro lado do universo
é o universo...
sem ti.

O ódio...- Carlos Durão

O ódio levar-te-á
onde não queres ir.

(O amor também,
às vezes)

Ver-te... Carlos Durão

Ver-te sorrir
dá-me vida.

Ouvir-te
dá-me eternidade.

(E és em mim...)

[H]eras... - Carlos Durão

Eras lagoa
e tornei-te rio

As Mãos - Carlos Durão

As mãos
foram feitas p’ra agarrar,
sopesar,
trabalhar
as cousas da vida,
pr’a criar
eternidade.

Mas ainda as mãos
querem tocar,
curar,
alouminhar
a pessoa amada,
para dar
eternidade.

Amo-te - Carlos Durão

amo-te,
porque me susténs e te sustenho,
porque me curas,
porque [te] dás, e me a[ni]mas,
porque me entendes, e te entendo,
porque me sentes, e te sinto,
porque me fazes ver,
porque me deixas ser,
em ti,
mas, afinal, não sei por que
te amo
-disse-me, ao ouvido,
o meu amor

Eu - Carlos Durão

Eu
não sou bom
(fazes-me bom
tu)

Antes dar, amor... - Carlos Durão

Antes dar, amor,
que receber, amor;
e, amor,
será o que de nós fique.

Carlos Durão

Se sou vida
sementada
em letras; colhe-me:
é p’ra ti!

Vencer - Carlos Durão

Vencer,
com palavras, a distância,
chegar,
das minhas, às tuas
entranhas!

Intre, nós...- Carlos Durão

Sinto,
no teu peito, tremer
o meu...

Ser e estar - Carlos Durão

Quero
estar contigo,
muito; mas, antes,
quero ser
contigo!

Como uma espinha - Carlos Durão

Como uma espinha
entraste em mim.
Dói-me...
e não me dói;
mas não te dou arrancado

Um dia... - Carlos Durão

Um dia,
qualquer,
morreremos, como está escrito,
nos nossos genes;
ou, talvez, nos matará
um terrorista
de Estado, ou por livre,
tanto tem.
Aqui, deixaremos
o nosso amor
aos demais, o fruto
que dá fruto;
e desde o cume
da montanha
ser-nos-á permitido
ver o caminho
percorrido.
Alá, Deus,
nos julgará
e acolherá,
no outro lado
do universo.

quarta-feira, 8 de setembro de 2010

A fonte do valor - Carlos Durão

Tenho medo:
dá-me valor,
com amor...

Três palavras de amor - Carlos Durão

Nada quero
de ti:
quero-te a ti!

Na catedral (de Westminster) - Carlos Durão

(vocatus atque non vocatus Deus aderit)

Aqui é o silêncio: a paz,
nas abóbadas o mistério,
na nave a comunhão:
o amor, o perdão.

É a casa de Deus, o sacrário;
nas capelas: mártires da fé.
Eis o pórtico, aberto a todos,
para a salvação do mundo.

Aqui tocamos fundo,
desde aqui recomeçamos,
com confiança, na boa nova,
em dignidade, livres…

[Mas o que fez a tua Igreja
na minha Terra?
Era isso o que Tu querias?
Ovelhas mansas, sem fala?

Não era para sermos um povo livre,
capaz de falar contigo
na sua língua?

Ou então não era, aquela, a tua Igreja?]

No escuro,
Cristo, encravado
num madeiro, espera…

“Que oculta uma placa?” - Carlos Durão

Placa é p’ra gente lembrar.
Pois.
Lembrar feito.
De gente.
Mostrar.

Placa é p’ra gente esquecer.
Pois...
Esquecer crime.
De gente.
Ocultar.

Placa é p’ra lembresquecer.
Mostrocultar.

Placa é p’ra aplacar...

Irmão corpo - Carlos Durão

O teu corpo não é teu:
é dele; mas és tu,
que manda, nele;
com carinho, com amor;
mas, a dor, é tua, e o prazer.

O teu corpo não és tu:
é irmão, teu, e não tem
querer: és tu que tem
de ter: pois diz-lho, assim!

Ele, só, se quer, a si:
tu qué-lo, a ele, e a ti;
mas, afinal, és tu,
que tem: de decidir...

In spiritu - Carlos Durão

Contemplo, de longe,
no escuro, sem ver,
com olhos, dormidos,
para comprender.

Espírito amigo,
permite-me estar
contigo, um instante,
por cima do mar.

Tu és como eu,
caminhas num sulco,
à beira do meu,
e buscas o mesmo:

Ensejo de amar.

Desejo-te sorte
no teu caminhar,
ao fim estaremos
juntinhos... na morte.

Humildeza - Carlos Durão

“J’ai mal à tes dents”

(Mme. de Sévigné, Lettres à sa fille)

Doem-me os teus dentes,
quando eles te doem.

Dói-me a tua ferida,
quando ela te magoa.

Dói-me a tua dor,
na angustura, separada,
do destino.

Doem-me os teus olhos,
absurdamente belos,
se eles choram.

Dóis-me tu, com dor
partida.
(Mas tu dóis-me
e não me dóis...)

Beijaflor - Carlos Durão

Beijar os beiços,
beijar a flor;
bicar a boca,
bicar o amor;
beijar os bicos,
bicar os lábios,
sacrificar
no altar do amor.

Para Ser - Carlos Durão

Para ser
cumpre ceder
por vezes,
com amor.
Mas sempre ceder
não pode ser
para ser,
com amor.

Amor omnia vincit - Carlos Durão

Queimei,
um dia,
querendo,
em labareda imensa,
os meus sonhos
todos.

Um vento,
um chuvasco,
tudo espargiu,
apagou.

Pisei,
à noite,
sem querer,
no rescaldo escuro
e queimei-me
todo...

Palavras (de ternura) - Carlos Durão

Mulher, eu, homem,
quero, poderá ser?,
de ti, palavras,
de ternura, poderei eu
te dar, acougo,
sem palavras?, não
te deixarei, a sangrar,
ave ferida, pousa
na minha, a tua vida,
com ternura,
cura, e voa...
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